quinta-feira, 17 de março de 2011

Algas da Indonésia.

Neste mês que passou fiquei pensando no que escrever. Não me vinha tema algum que despertasse a atenção ou o desejo de decifrá-lo nos escritos. Acerca da vida, quem sou eu para discorrer. Sobre a crise no Egito, na Líbia e no mundo Árabe em geral já não tinha muito mais o que dizer. Acerca das picaretagens de nossos políticos e dos escândalos que sempre estouram e estragam nossos dias, perdeu a graça. Tsunami e crise atômica no Japão, todos já explicaram muito bem. E... nada de tema.

Fui tomar meu banho cheio de lamentações por não ser um escritor de verdade, afinal qual deles não escreve constantemente, não tem inspiração quase permanente, não chega à definição de um simples tema! Não... definitivamente eu não era um escritor! Triste constatação que quase me fez afogar no chuveiro.

Decepcionado comigo mesmo, joguei o sabonete com força na parece, que repicou e acertou bem naquele ossinho mais descoberto da canela, aquele mesmo que não tem um pingo de gordura para protegê-lo. Num reflexo natural, levantei a perna ligeiro e com raiva, pisando de volta no próprio sabonete e despencando no chão do boxe. Antes de cair, porém, e como todo mundo faria, tentei me segurar em alguma coisa. O que consegui pegar foi o vidro de xampú, mas, de passagem, esbarrei naquele frasco lindo de óleo pós banho de minha mulher, daqueles bem caros e que só se vende por encomenda. Além do mais, leva séculos para chegar. A consultora havia-lhe dito que era muito difícil a empresa de cosméticos voltar a comercializar aquele item hoje em dia, já que era produzido a partir de algas marinhas cultivadas em cativeiro nos mares da Indonésia e que desde o tsunami do ano passado havia ficado muito rara sua importação.

Para meu desespero o óleo quebrou, e eu ainda troncho no chão pensava na justificativa que iria dar a ela quando chegasse. O galo na cabeça nem me incomodava, nem a canela doendo, nem o cotovelo ferido, nem o pé cortado no beiço da porta, nem mesmo o fato de não ser um escritor. Nada me passava pela cabeça, exceto a desculpa que eu teria que encontrar para a catástrofe tão ou mais grave que a nuclear no Japão. Teria que agir como uns Senadores que conheço e que dizem que a aposentadoria que requereram é para doação. Tinha que pensar em algo bom... e rápido!

Chega ela e vai para o banheiro. Ainda mancando, me apoiando nas paredes, corri e fechei a porta.

- O que vc está me escondendo? Fala logo, Negão! - é assim que ela me trata carinhosamente!

- Nada, amor! - é assim que eu a trato quando estou com medo!

- Fala logo...vai! Vc sabe que eu não suporto essa sua cara de sonso!

Pronto, haveria de contar, até porque ela descobriria logo e eu não teria como negar mais nada.

- Sabe o que é..... - pensava eu com a mesma dissimulação dos nossos políticos quando são flagrados em fatos inegáveis!

Nem terminei a frase e ela já me empurrou, abriu a porta num chute, olhou em volta. Eu corri; desci com a desculpa de fumar um cigarro. Fumei cinco, até que criei coragem e voltei, disposto a enfrentar qualquer coisa. Além de não ser um escritor, seria um rato!!! Afinal, quem de nós nunca quebrou um óleo hidratante pós banho difícil de encontrar e mais ainda de receber, cuja matéria prima são algas marinhas importadas cultivadas nos cativeiros dos mares da Indonésia e que não eram mais produzidos por conta de um tsunami? Quem, quem!!!

Entrei, liguei a TV baixinho, sentei bem devagar e me fiz de morto. Ela chega e me dá um abraço e um beijo:

- Estou tão arrependida de ter brigado com vc, Negão...! Detestei aquela porcaria de hidratante!