domingo, 15 de agosto de 2010

Do lado de lá do Ceará!

Ginásio Santo Tomás de Aquino, bairro de Fátima, colegial em curso; carioca de nascimento, criado em Fortaleza e com o “arre égua” já bem marcado, lembro que ficava angustiado em todas aquelas datas comemorativas como Natal, Ano Novo, Carnaval e férias escolares, quando meus amigos diziam que passariam estes dias em suas cidades; em suas cidades no interior; eles tinham uma cidade deles, das quais eles e suas famílias eram parte integrante!
Eu guardava uma discreta inveja e uma explícita curiosidade de como seria a vida por lá. Eu nada conhecia do lado de lá do Ceará!

Aporto, porém, em Viçosa há 4 anos. Pronto, pensei: tenho agora a minha cidade do interior! E me empenhei em conhecer este outro lado da vida. Finalmente teria a minha chance, após quase 40 anos. Tarde? Que nada!

Nesta cidade pequena, linda, de povo pacato e simples, fui me inserindo aos poucos, conhecendo as tradições antigas e já perdidas; outras que ainda resistem aos novos tempos, todas religiosas; a tapioca, o milho, a garapa; as figuras típicas como o quase centenário Alfredo Miranda, dono do pife mais famoso do lugar; o Zé Músico, responsável que era pelas serenatas nas janelas das moças há até 15 anos atrás – a saúde já não o permite mais; Seu Chiquinho, que se autodenomina Cônsul de Viçosa, e em cujo consulado, misturado com uma venda de cachaça artesanal, todos passam para assinar o livro de visitas e "ter sua permissão para transitar livremente pela cidade”, segundo ele mesmo decreta. Coisas ímpares do lugar, por serem só deste lugar!

Como um metido observador e já me sentindo radicado, passei a tentar entender algumas coisas curiosas que começaram a me chamar a atenção logo pouco tempo depois de instalado.

Não entendia o porquê de, apesar das grandes realizações na área da saúde, divulgadas exaustivamente pelo prefeito em sua rádio particular e única na cidade, com seu brado ecoando da sala ao quintal das casas que atravessam quarteirões; apesar de o hospital ser muito bem equipado e contar com um quadro de excelentes profissionais, ele próprio, o prefeito, e seus familiares, tanto quanto algumas famílias tradicionais, todos sempre se tratarem nas melhores clínicas particulares da Capital; nunca na cidade! Bateu uma curiosidade...!
Acreditem que cheguei a ver pessoas ingratas, de certo, reclamando que faltou este ou aquele remedinho na farmácia da prefeitura. Olha só!

Estranhava o fato de todos os filhos dos diretores das escolas municipais estudarem nas poucas escolas particulares do município; de os filhos do prefeito estudarem no Ari de Sá, em Fortaleza, apesar do maciço investimento em educação realizado e amplamente divulgado pela prefeitura. Que coisa...!

Ficava chateado ao ver que nenhum dos membros das boas famílias da cidade participava dos grandes eventos patrocinados pela prefeitura, sempre organizados com grande esmero e capricho. Poxa, que falta de consideração, não!

Tinha pena ao ver que, apesar dos imensos gastos com a infra-estrutura da cidade, ainda não haviam conseguido evitar que o esgoto escorresse livremente por todas as ruas, em valas pequenas; não conseguiam nem tampar os buracos da cidade; nem, ao menos, conseguiam reformar o prédio da prefeitura, prestes a desabar. Como única solução viável, alugaram um outro prédio, de algum conhecido, para sua nova sede. Lógico, não é!

Hoje sei que passei a conhecer uma cidade do “faz de conta” instalada entre belos jardins e casarões tombados pelo Patrimônio Histórico Nacional; que se faz pelo povo apenas o ínfimo necessário que valha para discursos. Percebi, ainda, que não é “privilégio” apenas deste lugar, mas de todas as cidades, estados e países onde o poder é centralizado pela mesma casta e por um longo tempo.

Mas fazer o que, agora? É a minha tão sonhada cidade do interior. E por ela escrevo!

2 comentários:

  1. Legal a maneira como vc fala de Viçosa. Moro a 7 anos e nunca consegui ver a cidade assim: como minha cidade. Acho que nunca farei parte dela...

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  2. Seu Alfredo Miranda ainda existe? O seu licor deve conter a fórmula da vida eterna! Tive a honra de conhecê-lo, vinte e cinco anos atrás. Apesar de tudo, Viçosa parece uma boa escolha pra chamar de "minha cidade do interior".

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Valcir Machado