sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pai..., não, mãe!

Cresci no bairro do Aeroporto entre jogos de futebol na rua, pipa, peão, bicicleta, banhos de chuva, 'polícia e ladrão', pique-esconde, namoradinhas nas festinhas e muitos amigos do tipo amigo até hoje. Não conto as vezes em que fiquei de castigo por haver roubado frutas do quintal do vizinho, por haver quebrado a vidraça da casa daquele velho chato que teimava em furar nossa bola. Assisti 'A Feiticeira', 'Perdidos no Espaço', 'Viagem ao Fundo do Mar', e por aí vai. Uma infância totalmente normal, inclusive levando as duras de minha mãe e as broncas de meu pai.

Na adolescência era mais ou menos assim: dentro de casa minha mãe mandava; se o assunto era fora de casa ou financeiro, aí meu pai resolvia. Os papéis claramente determinados dentro de um lar aonde os sexos eram claramente definidos.

E vivi toda a vida acompanhando e me adaptando às mudanças do mundo, vendo minha esposa se profissionalizando, minha filha me chamando de 'você' e argumentando acerca de nossas determinações - ainda com respeito, mas argumentando, o que não nos era permitido antes! - e esticando os horários de chegar em casa, com carro e moto à disposição pra ir à faculdade e algumas outras novidades dos tempos modernos.

Mas os tempos são outros,... mudou demais!!!
Fico agora num exercício de divagação inevitável acerca de algumas novas situações, como as futuras reuniões de pais e mestres nas escolas: "Raulzinho, seus pais não vão vir hoje à reunião? E quanto a vc, Carlinhos, suas mães não virão?

Vai dar confusão.
- QueridA, não deixe mais suas cuecas no banheiro; tanto que eu lhe peço!
- Amor, me empresta aquela sua calçinha linda que lhe dei de presente no nosso aniversário de casamento!

E o menino:
- Pai..., quer dizer, mãe, posso ir na casa do Leonardo?
- Poxa, professora, minha mãe, digo, meu pai..., meus pais..., minhas mães... não lavaram minha farda!

E o amiguinho:
- Juquinha, sua mãe..., aliás, seu pai chegou pra lhe pegar! Corre!
- Belinha, esse penteado que sua mãe fez..., quer dizer, que seu pai fez, tá lindo!
- Paulinho, a sua mãe é seu pai!?!?!

Nada contra os direitos civis envolvidos no assunto. Muito pelo contrário, sou totalmente a favor que se respeite a dita comunhão de bens e de direitos sociais afetas a qualquer união estável, mas a adoção, a fecundação in vitro, o aluguel de barrigas, nada disso me parece natural dentro de uma sociedade ainda não preparada para tal. Entendo da mesma forma quanto ao beijo homo em público; ainda é meio escandaloso e chocante para a grande maioria.

Penso que é um grande egoísmo casais homoafetivos - termo novinho! - almejarem à fomação de uma família nos padrões antigos. Que montem suas familias, mas em novos padrões, já que o padrão de união é outro. As crianças sofrerão discriminação, gozações, constrangimentos, bullying e tantas outras situações ruins ainda por serem anormais tais relações. Falo 'anormais' apenas por não serem ainda tão normais; só isso; nada de preconceito, por favor!

Espero que nosso legislativo, para quem o judiciário escancaradamente passou a bola, siga a tendência mundial e social na aceitação dessas uniões, mas preserve a formação e o bem-estar de nossas crianças, já que a sociedade não evoluiu tão rápido quanto os conceitos de alguns.

6 comentários:

  1. Pai,
    Vamo lá... Quando vocês comentaram sobre esse texto na sala aquele dia, tive que vir ver qual era a sua opinião. Mas é claro que isso ia acontecer, afinal, eu sempre sonhei com o dia em que você (sim, "você" hehe) fosse deixar espaço para alguém falar a sua opinião também, ainda mais sobre um assunto tão polêmico, sem cortar nossa fala ou contra-argumentar com raiva ou qualquer coisa do tipo. Admita, você não sabe deixar o outro falar.

    Mas sobre o texto, vou começar do começo:
    Minha infância e adolescência foram exatamente iguais às suas, com uma diferença: vocês dois sempre fizeram questão de "mandar juntos", sem essa divisão de tarefas (o que é louvável). A divisão de tarefas só existia quando era na hora de arrumar a casa e/ou trabalhar. Por você, eu e minha mãe ficaríamos dentro de casa e vc iria trabalhar. Vc acompanhou as mudanças do mundo, de certo; mas tardiamente e, digamos "debaixo de peia".

    Mas isso são reflexos da sua educação, que, inclusive, se quisesse, poderia ter imposto mais um pouco a mim e eu seria igualzinha a você. Na verdade, ainda bem que eu não sou... O que eu estou querendo dizer é que a sua visão de mundo é resultado unicamente da época em que você viveu e da educação que você recebeu, e isso influencia, é óbvio, a sua opinião hoje.
    (continua...)

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  2. (...)

    Entendo seu lado preocupando-se com a formação tradicional das famílias etc, mas se pensarmos bem, até um tempo atrás o maior absurdo era casar aos 25 anos, tarde, como aconteceu com vc, por exemplo. O maior absurdo era ter só um filho, o maior absurdo era a mulher trabalhar fora de casa, o maior absurdo era uma mulher ou um pai ser mãe/pai solteira(o). Você já nasceu nessa época, a de mudanças, viu todas elas acontecerem, ganharem força, em mais uma prova de que os valores mudam de tempos em tempos e, a meu ver, caminhando para uma unificação mais humana da sociedade, aceitando e convivendo com as diferenças.

    É assim que continuamos caminhando, modificando a forma de pensar e de agir, tendendo a uma sociedade mais justa nesse sentido.
    Se um casal gay se sente capaz de educar um filho, quem pode dizer que não, quando fica provado que os pais vão dar o apoio psicológico necessário, o conforto financeiro necessário, o carinho necessário e vão dividir as tarefas igual a você e minha mãe fizeram e ainda fazem? Eu sou contra a adoção ou a fertilização de crianças por casais gays assim como sou igualmente contra adoção ou educação de crianças por casais heteros no caso desses casais não apresentarem estabilidade, emocional, afetiva e/ou financeira. Quando essas três coisas não existem em uma relação, nenhuma criança crescerá saudável.

    Mas o que importa se são dois homens ou duas mulheres educando uma criança se essa vai ter em um a figura do comandante e em outro a figura do afetivo, assim como entre um casal hetero? O exemplo de mau gosto que vc citou de os adultos ou as próprias crianças trocarem os termos "pai" e "mãe" não existe, é fruto da sua imaginação de tempos atrás; o que vai haver é apenas constrangimento dos adultos, somente.

    (...)

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  3. (...)

    E isso enquanto a educação não mudar também o direcionamento, pois essas mudanças na lei implicam em mudanças na sociedade também. A sociedade ainda não está totalmente preparada para isso, concordo com vc nesse ponto, mas como haverá de se preparar se as mudanças não começarem? Como haverá de aceitar o que sempre existiu se o que sempre existiu não disser "ei, eu tô aqui! você só não me vê porque ainda não quer, mas eu sempre estive aqui e sou igual a você."

    Isso tudo que foi dito agora vem de uma pessoa que, para além de sua filha, convive com essa realidade dia a dia, entende seus anseios e necessidades e, apesar de hetero, apóia a busca pela aceitação.

    Bom, desculpa o artigo-resposta imenso, tinha que tentar contextualizar minha opinião desde o começo pra me fazer entender. Sei que você não é contra a união homossexual, é contra somente a adoção de crianças nesse contexto. Espero que vc não entenda isso como uma crítica à oposição da união de gays, mas sim uma crítica ao pedido de estagnação de pensamento da sociedade.

    Bjo!

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  4. (...)

    Como você mesmo falou, os tempos são outros, mas não mudaram assim tão rapidamente como você acha... O que acontece é que há muitos anos (eu diria até décadas) os gays vêm reivindicando alguns direitos justos que, por até então terem vivido à margem da sociedade, não tinham. (é claro que existem aqueles que deturpam a "classe", com aquelas extravagâncias, aquelas esculhambações e falta de respeito com quem quer que seja. Assim como existem os homens que deturpam a classe, assim como existem as mulheres que deturpam a classe etc. Em todo canto terá o que vai avacalhar com o negócio)

    O fato é que os gays eram discriminados apenas por serem gays. Ora, quem pode expicar por que alguns nascem gays? Quem pode explicar por que alguns nascem com deficiência física? Quem pode explicar por que todos nascemos diferentes?(não estou discriminando ninguém, só estou
    dando exemplos de minorias que não são tão minorias assim) Por isso eles teriam que se esconder, deixar de mostrar quem realmente eram, deixar de ter direitos legais? Não é de hoje que as pessoas têm relação homossexual, não é de hoje que casais gays moram juntos, não é de hoje que gays têm uniões afetivas estáveis, não é de hoje que gays formam famílias. Desde que o mundo é mundo que isso existe. Então, pra que negar, fingir que não estamos vendo isso acontecer debaixo das nossas fuças? (aliás, quem diria que você, hoje, estaria falando sobre isso de uma forma tão natural, se, até alguns anos atrás, nem sobre gays vc admitia falar? Resultado das mudanças do mundo, como vc mesmo disse)

    (...)

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  5. Milla...
    Bem dito por vc, o que mais tenho vivenciado e aceito são mudanças no modelo de mundo em que fui criado. Não por isso que devo aceitar todas.

    Há de haver coerência e tolerância - sei... vc já pegou a palavra 'tolerância' como mote pro seu próximo argumento. Mas explico minha colocação.

    Até vc chegar a ter o direito de argumentar comigo e sua mãe, atuando vc nesta vida no papel de filha, levou um tempo de maturação, de aprendizado seu e nosso, de adaptação; resumindo, de tolerância sua e nossa; um processo.

    Eis o que chamo de tolerância. Há de se esperar a maturação dos direitos para que se possa exigir todos eles. Há de se conquistar as liberdades à medida em que aprendamos a utiliza-las, sob pena de mau uso delas.

    As classes novas surgidas em nossa sociedade devem ter com ela a mesma tolerância que tb esperam dela, sociedade. Não se pode exigir tolerância e não ser.

    A sociedade ainda não está pronta para a aceitação de tudo o que os homoafetivos querem; não ainda. Então, que mostrem tolerância para que não choque a opinião pública com atos desnecessários e ainda ofensivos, sob pena de perderem por completo o apoio que até agora conquistaram.

    Entenda que estamos em constante movimentação, mas até onde nossos conceitos nos permitirem.

    Beijo grande do seu pai!

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  6. Concordo contigo nesse ponto, da tolerância, até porque cresci vivenciando esse tipo de sistema. Temos que ter tolerância um com o outro.

    Só que tem uma coisa: isso sempre aconteceu, debaixo do nosso nariz, e foi mascarado, empurrado pra debaixo do tapete pelo resto da sociedade. Acho que não é culpa dos homossexuais que isso tenha ocorrido. A imaturidade e intolerância maior foi dos heteros por maltratar, discriminar, agredir essas pessoas.

    E também não acho que os homossexuais tenham que "pedir permissão" ao resto da sociedade pra fazer alguma coisa. Casar, formar família sempre foi um direito de qualquer pessoa, sacramentado e posto em lei. A forma com que vai ser feita é de cada um. Não aceito que religião se intrometa nessa história, assim como não entendo que vc diga que a sociedade não está pronta pra isso. Sempre convivemos com isso e sempre fomos intolerantes. Então, se sempre existiu, é natural, mais natural do que se pensa, e essa é a hora de aprendermos exatamente o significado de tolerância.

    Beijo!

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Valcir Machado