quarta-feira, 15 de junho de 2011

Que esperança!

Como vou lamentar se a cidade é fantástica!!!
Verdade... não existe aeroporto ainda. Também, como justificar um para atender a 14 mil habitantes? Claro que não tem e claro que tão cedo não terá. E isso é apenas mais um dos encantos de lá.

Como sempre, tive que ir à rodoviária para agendar minha viagem pro 'lado de lá do Ceará'. Trajeto demorado mas prazeroso, só por saber que em apenas 6 horas de sono profundo - geralmente durmo a viagem inteira - estarei chegando perto do paraíso, não fosse o reinado PSDBista há quase duas décadas. Costumo dizer que nenhum povo merece a desdita de ter um mesmo grupo no poder por muito tempo, sob pena desse grupo se apoderar da região pra si, se apoderar do próprio povo. E é exatamente isso o que acontece por lá.

Paro no semáforo e sem ter o que fazer, enquanto rola a discreta suavidade de Enya, olho absorto ao meu redor e vejo na esquina um velho senhor aparentando seus 70 anos, sentado no chão de chapéu e óculos escuros, com uma latinha de goiabada sem a tampa bem à sua frete, como se largada ali perto de suas pernas.

Pobre cego, pensei! Não precisava ser nenhum gênio para deduzir isso: sentado e encolhido na calçada, de chapéu e óculos escuros, cabeça reclinada para frente como quem ora e a mão estendida como quem suplica.

Temos o reflexo mental de nos apiedar de cenas como esta. Logo pensamos no contexto social injusto a que os políticos nacionais nos impõem dia após dia, década após década, em mandatos sucessivos impregnados de profissionais inertes e inférteis. Como posso combater isso se nada sou além de cidadão!!!

Fico apreensivo ao ver que na mesma calçada, indo na direção daquele senhor sentado, aparece outro mendigo, este com uma aparência menos humilde, mais debochada e de aspecto mais maltrapilho, muito mais sujo por sinal. Aproxima-se aos poucos, passos lentos e vacilantes, andando bem perto do muro como se não quisesse ser notado.

Com a escola que temos e que nos é imposta de cima pra baixo - entenda-se casos Mensalão, Palocci, filhos ricos de Lula, falcatruas no Congresso, no STF e adjacências -, lógico que me veio um pensamento mau, porém inevitável: ele irá se aproveitar do pobre cego e levar o apurado do dia. Nossa!!! Gelei com a possibilidade de presenciar uma cena tão mesquinha, tão vil, tão humilhante que seria um necessitado agredindo outro, como se dois ursos famintos disputassem o mesmo peixinho de um aquário.

O maltrapilho se aproxima; engatilho abrir a porta do carro; tiro o sinto de segurança; abro a porta e já estou em pé fora do carro pronto para interceder; o maltrapilho se agacha em frente à latinha de goiabada; já estou contornando o carro; ele pega uma moeda que está no chão ao lado da latinha e a coloca de volta; e segue seu caminho trôpego, ora no muro, ora na guia.

E agora..., como justificar que alguns, apenas pela ambição e pela vaidade do acúmulo de riquezas, se corrompam!!!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Na Ponte Aérea.

Reendição de crônica publicada em 03/94.




Acordei subitamente quando recebi uma pancada no ombro esquerdo. Ainda meio que dormindo, abri a janela para tentar entender o que se passava no assento ao lado. Não adiantou; já era noite.

Imediatamente acionei o interruptor de luz de leitura, que não funcionou. Raridade, pensei, algo defeituoso nessas aeronaves modernas e tão rigorosamente inspecionadas. Esse pequeno detalhe havia escapado às checagens minunciosas dos técnicos.

Entendi, por haver batido e ficado, que deveria ser uma pessoa dormindo e com sua cabeça recostada de tão relaxada. Permanecia com sua cabeça no meu ombro, o que me causava um certo incômodo: não podia me mexer para não acordá-la. Parecia dormir muito profundamente. Poderia ser uma linda garota loira, sonolenta, de olhos azuis e que havia ganho o concurso "Garota da Praia" do litoral paulista.

Resolvi, então, deixar as coisas como estavam e tentar localizar meus óculos para ver ao menos, quem sabe, sua silhueta. Certificaria-me, assim, de que era uma tremenda gata dormindo no meu ombro forte e protetor (risos!). Mas minha sacola de mão estava no bagageiro superior e meus óculos dentro dela. Eu não imaginei que poderia precisar deles. Minha intenção era a de só acordar quando a aeromoça, falando com sotaque tipo telesexo, me avisasse que o avião já iria ser recolhido ao hangar.

Sem conseguir identificar de quem se tratava, imaginei que bem poderia ser uma estrela da tv. Passageiros constantes dessa ponte aérea, quem sabe não seria a Suzana Vieira, Lucinha Lins ou aquela cearense charmosa Luiza Tomé!

Meu Deus!!! Bem que pode ser um homem!!! E porque não? Homens também viajam na ponte aérea!

Foi aí que percebi que eu não havia sentido qualquer aroma agradável de perfume feminino. E que mulher bonita viajaria na ponte aérea sem perfume, ainda mais se fosse uma estrela!!! Senti meu corpo gelar. Como nós fumantes não temos um olfato muito confiável, vi que poderia estar apenas impressionado, e à toa.

Tentei lembrar da hora do embarque. Haviam poucas pessoas no vôo. Mas quem fica fazendo cálculo de probabilidade das chances de sentar-se ao lado de uma mulher na hora do embarque? E mesmo que as chances matemáticas sejam grandes, quem garante o acerto? E quem observa quantos de cada sexo embarcam? Oswald de Souza talvez tivesse respostas; eu só tinha dúvidas!

Pensei, então, e por conta dos riscos, em me afastar ao máximo para perto da janelinha e deixar aquela cabeça ir caindo, caindo até pendurar. Eu já estava espremido, quase saindo pela fuselagem da aeronave; não havia mais para onde afastar.

E é incrível como nessas horas ninguém percebe seu sufoco e ninguém aparece pra lhe ajudar.

Não poderia suportar aquela situação por muito mais tempo. Estava ficando impaciente. Resolvi, então, esperar a hora em que seria servido o cafezinho, quando certamente as luzes internas seriam todas acesas. Hoje percebo que somente alguns segundos dessa espera ficaram parecendo horas. Por um instante achei que poderia ser bem pior se aquela cabeça roncasse!

Como o café não chegava nunca, apelei para o último dos cinco sentidos que o fumo ainda não havia destruído em mim: o tato. Pensei em apalpar o rosto daquela cabeça, porém havia um risco muito grande de ser um homem; e como eu ficaria! Comecei a mover lentamente o ombro-travesseiro para tentar detectar um brinco, cabelo longo ou se, por incomodada, aquela cabeça fazia um 'huummmm' demorado e que eu pudesse identificar o timbre de voz. Para minha surpresa, espanto, calafrio, medo, terror, pânico e outras coisas mais, meu ombro espinhou. Era uma barba, e das mal feitas! Agora tinha uma terrível certeza: era um homem!

Por que tinha que ser um homem e justamente daqueles que dorme em qualquer lugar e de qualquer jeito, como eu? Se a barba era mal feita, devia ser daqueles bem relaxados que nem banho toma. É por isso que nunca entendi como pode uma mulher gostar de um homem: que bicho nojento!!!

Não sabia o que fazer. Estava encurralado no canto da janelinha cercado de assentos por todos os lados, com um bagageiro em cima e com um homem dormindo no meu ombro. Tantos lugares vagos e eu sento justamente aqui! E esse cara justamente aí!!!

Nos momentos críticos de nossas vidas, costumeiramente tomamos decisões radicais. E eu tomei uma naquele instante: viajaria sempre no corredor!!!

Tinha que fazer alguma coisa. Levantei bruscamente para acordar de vez aquela cabeça. Bati a minha cabeça no bagageiro superior que abriu derrubando minha sacola, tombei na janela, enfiei a mão no cinzeiro, quebrei o relógio, caí pesadamente em cima do homem a meu lado, despenquei de peito no chão. Atordoado e preso entre as poltronas, percebi que todas as luzes foram acesas e ouvi uma criança chorando e reclamando:

- Mãe!!!!!!!!!!! O homem feio machucou o Bóris!!! ... seu ursão de pelúcia.